terça-feira, 27 de outubro de 2015

ALTOS E BAIXOS


Acreditem ou não, eu morei em uma cidade conto de fadas. Parecia muito Star Hollows de Gilmore Girls. A cada dois meses, ela estava toda enfeitada com o tema da vez: Natal Luz, Festival de Cinema, Chocofest, blá, blá, blá... Morei dois anos e uns quebrados na mais europeia das cidades brasileiras. Lá, dei a luz a minha leonina. Sabe como é, né: mãe baiana com pai paulista nasce uma gaúcha tchê.

Gramado é sonho de tanta gente. A lua de mel perfeita. A realização encantada de toda a criança. Tudo perfeitamente programado para você acreditar que ali é o paraíso.

Mas... como tudo que é lugar: tem seus altos e baixos.

Foi um mega aprendizado principalmente para essa nascida no sertão. Aprendi muito sobre como morar no frio e sim, eu falava que amava o frio. Hoje, digo que amo todas as estações do ano no seu devido tempo. Verão o ano inteiro e inverno o ano inteiro... cansa, entedia e faz você sonhar com novos horizontes.

Bom... vamos deixar de lero-lero é selecionar meus altos e baixos colecionados durante minha estadia na terra natal de minha gramadense:

- Um mês depois que ela nasceu nevou forte, como não nevava fazia vinte anos. Foi lá que eu vi a neve pela primeira vez. Vi caindo, vi deixar meu telhado branquinho como nos filmes, descobri que nos dias que neva não são os mais frios (fazia apenas zero grau), vi o cenário se transformar rapidamente e virar sim um verdadeiro conto de Nárnia e vi bonecos de neve de verdade.

- Morar no frio tem seus perengues: a conta de luz (caso você não tenha lareira ou forno a lenha), a conta de gás (caso você tenha calefação). Manter o lar aquecido enquanto lá fora faz seis graus abaixo de zero é foda e caro. Aprendi a lidar com boilers, máquinas lava e seca, aquecedores a óleo, descobri como programar a calefação, vi vendendo no supermercado lenha em sacos como se fosse batatas, aprendi todos os tecidos que te mantem aquecido, secam rápido e não encolhem na máquina de secar (sim, elas encolhem mesmo...hahahaha) e descobri o como é foda trocar a fralda de um recém-nascido na porra do frio (faz o teste... vai tirar o tip top, depois o body com a calça, depois a legging e vista tudo de novo, isso se não houver imprevistos, repita o processo trocentas vezes... enquanto eu via minhas amigas postando fotos das crias só de fraldinha), amamentar então... congelante.

- O Lago Negro compensava muitas vezes os perengues junto com um chocolate quente da Caracol. Os passeios a maioria de graça ou bem mais em conta pelo simples fato de ter a conta de luz da cidade ou a certidão de nascimento da pequena. Ainda bem, porque eu vou te contar um segredo: muita coisa lá é pegadinha pra turista desavisado.

- A cerração é linda! É misteriosa, você se sente em um filme do Harry Porter. Ela surge do nada e invade em segundos. O encantamento dura a sua estadia na cidade.

- Mora lá e convive com aquilo uma semana seguida: depressão meu bem, não tem como escapar. Ficar sem ver o sol tanto tempo é chato pra caralho. Ver o mundo branco o tempo todo é tédio na certa. Dirigir com a cerração forte é rezar pra todos os santos que você lembra.

- Da minha janela eu via o Vale do Quilombo, macacos Buggios, tucanos, inúmeras hortênsias, pinheiros e araucárias. Era mágico.

- Tomei pavor de morcegos, gambás, pulgas e aranhas venenosas.

- O céu cor de rosa prevendo frio intenso era de tirar o fôlego. As árvores no outono ficam mais apaixonantes.

- Meu inimigo número um de lá era o mofo. Tudo mofa e quase eu mofava junto.

- O melhor filé a parmegiana fica em um restaurante frequentado por gramadenses: Cantina Di Capo.

- Os engarrafamentos e a falta de lugar para estacionar eram constante e uma boa desculpa para se mandar pra Canela. Aprendemos odiar Gramado nos feriadões.

- O meu café preferido era reduto de gramadense também, o Café com Leite (porque eu achava um puta tédio ouvir sempre de todos os estabelecimentos  a frase: bom passeio... como se todos sempre fossem turistas). Lá no Café com Leite eu me sentia em casa. Comida boa, preço bom e garçom camarada.

- Outro segredo de estado: eles tem preços diferenciados pra turista / morador/gramadense. Sim... são três preços. Aprendi a pedir desconto pra tudo.

- A melhor feira orgânica da minha vida acontece todos os sábados das seis as onze do lado da rodoviária (bem ali onde tem os fornos que saem as cucas e os pães maravilhosos). Comprei baldes e baldes de morangos (sim, dez reais o balde, eu falei O BALDE minha gente). Comprei amoras, mirtilos, framboesas e fazia estoques em casa. Alucinada ficava ao ir a feirinha. Comprei folha de louro verde e coloquei pra secar em casa. Comprei massa fresca. Era uma festa pra essa nordestina que vos fala.

- Aprendi a diferenciar o turista, do morador e do porto-alegrense só de ver a roupa.

- Eles param na faixa de pedestre igual a Brasília. Quer saber se é um gramadense, observe atravessar a faixa: eles não olham pros lados. Eles simplesmente atravessam e ponto.

- Ah! E não se iludam... lá quando faz calor... coloca o Rio quarenta graus no chinelo.

Por hoje é só... que isso já virou uma bíblia... depois conto mais sobre esse lugar pitoresco... mas que tem também o seu ladinho tédio.

F. de quem só volta se for a passeio, morar ... aí depende da proposta.

Um comentário:

FULANA E SICRANA disse...

Gramado é uma cidade linda! Nas duas vezes que estive por ai, tive vontade de ficar, mas minha resistência ao frio duraria no máximo 15 dias.

Hoje mesmo li um texto que questionava porque Gramado consegue ser assim, tão organizada em todos os sentidos, e o resto do Brasil, não.

Agora chega de brincar de morar primeiro mundo e volta ao mundo real, rsrs.

beijos,

S. de saudades