Acreditem ou não, eu morei em uma cidade conto de
fadas. Parecia muito Star Hollows de Gilmore Girls. A cada dois meses, ela
estava toda enfeitada com o tema da vez: Natal Luz, Festival de Cinema,
Chocofest, blá, blá, blá... Morei dois anos e uns quebrados na mais europeia das
cidades brasileiras. Lá, dei a luz a minha leonina. Sabe como é, né: mãe baiana
com pai paulista nasce uma gaúcha tchê.
Gramado é sonho de tanta gente. A lua de mel
perfeita. A realização encantada de toda a criança. Tudo perfeitamente
programado para você acreditar que ali é o paraíso.
Mas... como tudo que é lugar: tem seus altos e
baixos.
Foi um mega aprendizado principalmente para essa
nascida no sertão. Aprendi muito sobre como morar no frio e sim, eu falava que
amava o frio. Hoje, digo que amo todas as estações do ano no seu devido tempo.
Verão o ano inteiro e inverno o ano inteiro... cansa, entedia e faz você sonhar
com novos horizontes.
Bom... vamos deixar de lero-lero é selecionar meus
altos e baixos colecionados durante minha estadia na terra natal de minha
gramadense:
- Um mês depois que ela nasceu nevou forte, como
não nevava fazia vinte anos. Foi lá que eu vi a neve pela primeira vez. Vi
caindo, vi deixar meu telhado branquinho como nos filmes, descobri que nos dias
que neva não são os mais frios (fazia apenas zero grau), vi o cenário se
transformar rapidamente e virar sim um verdadeiro conto de Nárnia e vi bonecos
de neve de verdade.
- Morar no frio tem seus perengues: a conta de luz
(caso você não tenha lareira ou forno a lenha), a conta de gás (caso você tenha
calefação). Manter o lar aquecido enquanto lá fora faz seis graus abaixo de
zero é foda e caro. Aprendi a lidar com boilers, máquinas lava e seca,
aquecedores a óleo, descobri como programar a calefação, vi vendendo no
supermercado lenha em sacos como se fosse batatas, aprendi todos os tecidos que
te mantem aquecido, secam rápido e não encolhem na máquina de secar (sim, elas
encolhem mesmo...hahahaha) e descobri o como é foda trocar a fralda de um recém-nascido
na porra do frio (faz o teste... vai tirar o tip top, depois o body com a
calça, depois a legging e vista tudo de novo, isso se não houver imprevistos,
repita o processo trocentas vezes... enquanto eu via minhas amigas postando
fotos das crias só de fraldinha), amamentar então... congelante.
- O Lago Negro compensava muitas vezes os
perengues junto com um chocolate quente da Caracol. Os passeios a maioria de
graça ou bem mais em conta pelo simples fato de ter a conta de luz da cidade ou
a certidão de nascimento da pequena. Ainda bem, porque eu vou te contar um
segredo: muita coisa lá é pegadinha pra turista desavisado.
- A cerração é linda! É misteriosa, você se sente
em um filme do Harry Porter. Ela surge do nada e invade em segundos. O
encantamento dura a sua estadia na cidade.
- Mora lá e convive com aquilo uma semana seguida:
depressão meu bem, não tem como escapar. Ficar sem ver o sol tanto tempo é
chato pra caralho. Ver o mundo branco o tempo todo é tédio na certa. Dirigir
com a cerração forte é rezar pra todos os santos que você lembra.
- Da minha janela eu via o Vale do Quilombo,
macacos Buggios, tucanos, inúmeras hortênsias, pinheiros e araucárias. Era
mágico.
- Tomei pavor de morcegos, gambás, pulgas e
aranhas venenosas.
- O céu cor de rosa prevendo frio intenso era de
tirar o fôlego. As árvores no outono ficam mais apaixonantes.
- Meu inimigo número um de lá era o mofo. Tudo
mofa e quase eu mofava junto.
- O melhor filé a parmegiana fica em um restaurante
frequentado por gramadenses: Cantina Di Capo.
- Os engarrafamentos e a falta de lugar para
estacionar eram constante e uma boa desculpa para se mandar pra Canela.
Aprendemos odiar Gramado nos feriadões.
- O meu café preferido era reduto de gramadense
também, o Café com Leite (porque eu achava um puta tédio ouvir sempre de todos
os estabelecimentos a frase: bom passeio...
como se todos sempre fossem turistas). Lá no Café com Leite eu me sentia em
casa. Comida boa, preço bom e garçom camarada.
- Outro segredo de estado: eles tem preços
diferenciados pra turista / morador/gramadense. Sim... são três preços. Aprendi
a pedir desconto pra tudo.
- A melhor feira orgânica da minha vida acontece
todos os sábados das seis as onze do lado da rodoviária (bem ali onde tem os
fornos que saem as cucas e os pães maravilhosos). Comprei baldes e baldes de
morangos (sim, dez reais o balde, eu falei O BALDE minha gente). Comprei amoras,
mirtilos, framboesas e fazia estoques em casa. Alucinada ficava ao ir a
feirinha. Comprei folha de louro verde e coloquei pra secar em casa. Comprei
massa fresca. Era uma festa pra essa nordestina que vos fala.
- Aprendi a diferenciar o turista, do morador e do
porto-alegrense só de ver a roupa.
- Eles param na faixa de pedestre igual a
Brasília. Quer saber se é um gramadense, observe atravessar a faixa: eles não
olham pros lados. Eles simplesmente atravessam e ponto.
- Ah! E não se iludam... lá quando faz calor...
coloca o Rio quarenta graus no chinelo.
Por hoje é só... que isso já virou uma bíblia...
depois conto mais sobre esse lugar pitoresco... mas que tem também o seu
ladinho tédio.
F. de quem só volta se for a passeio, morar ... aí depende da proposta.